O ACORDO DO MERCOSUL COM UE E OS TEMPOS CIVILIZATÓRIOS

Qual é a sua taxa de progresso econômico na vida? Você é funcionário público, empregado, pequeno empresário, investidor?

Um funcionário público espera menos que dobrar seu salário, na mesma carreira, em sua vida laboral. Será promovido 3 ou 4 vezes, com incrementos de 10% e receberá quinquênios ou anuênios à razão de 1% ao ano.

O empresário, com uma taxa de crescimento das vendas à razão de 10% ao ano, levará uns 16 anos para dobrar seu capital.

Em se tratando das 14 maiores empresas brasileiras, o investidor que mantivesse uma carteira vitalícia, levaria 24 anos para dobrar seu capital investido.

Nos dois últimos casos, levemos em conta que esta duplicação pressupõe reinvestir todos os lucros. Se a taxa de reinvestimento não for 100%, estes prazos se alongam: dobram, no caso de reinvestir a metade destes lucros, em 44 anos.

Quando se fala em “crescimento de um país”, o que se tem, objetivamente, é o crescimento do PIB, que significaria, em termos de comparação, o salário bruto, sem os custos. Ou seja, é o valor de venda do “OUTPUT”. Qual a taxa de crescimento de nosso PIB? Hoje, é algo em torno de zero. Poucas chances de o país poupar para investir.

Muito se tem falado no recorde da Bolsa, dos famosos 100 mil pontos. Entretanto, se ajustarmos pela inflação, não recuperamos ainda o nível de 2012, o que revela que estamos defasados em 7 anos.

Nosso PIB de 2018 foi de USD 1,85 trilhões, e na década, tivemos uma média de USD 2,141 trilhões. Ou seja, estamos com o PIB em um nível de 14% abaixo da média dos últimos 10 anos. A uma taxa de crescimento do PIB de 2%, levaremos 6 anos para recuperar a média da década. Assim, nosso PIB só ultrapassará USD 2,141 trilhões em 2026, se em 2020, começarmos a crescer 2% consistentemente.

E o Acordo UE-Mercosul, no que pode ajudar? Muito pouco. Em reportagem da BBC Brasil de 28/06/2019, há a referência das estimativas do Ministério da Economia de que se incrementará o PIB, em 15 anos, em BRL 336 bilhões, ou seja, uns USD 90 bilhões. Ou seja, a estimativa é de que estes ingressos por exportações representem 3,4% do PIB.

Entretanto, como já foi explicado acima, PIB é o ingresso bruto. Aí fica a pergunta: e se houver déficit na Balança Comercial? Quem assegura que sempre teremos superávit?

É bom observar que, pelos nossos índices de produtividade e pela natureza das economias, começaremos entregando commodities e tomando bens industriais de alto valor. Vamos a uma conta de padeiro, mas correta?

Uma tonelada de carne corresponde a 4 bois gordos, vendidos a USD 3500. Um automóvel Mercedes-Bens 250 tem um preço aproximado de USD 33mil (Factory Invoice).

Virtualmente, o Brasil tem de exportar 40 bois para importar 1 automóvel Mercedes 250, dos comuns.

Soja? A USD 325, se precisam 100 toneladas de soja exportadas por cada automóvel Mercedes importado.

Em termos de terras, se precisam 60 hectares de campo por 4 anos para produzir os 40 bois e 40 hectares por um ano para produzir as 100 toneladas de soja.

Depois, temos que levar em conta as frustrações das expectativas frente a crises prováveis no futuro e frente à “pílula dourada” dos beneficiários políticos de eventos como este. Quem não lembra dos anúncios do Pré-Sal? Por tudo aquilo que o governo anunciou na época não haveria mais pobreza no Brasil. Entretanto, mais tarde, deparamos com sérios problemas operacionais, geopolíticos e com um fato esperado, mas despercebido, que foi a América do Norte, ante o boom das commodities, petróleo incluído, ter investido fortemente nas tecnologias de extração do shale oil.

Assim, sem negar os benefícios potenciais – que para transformar em reais efeitos demandam muito esforço -, a cautela é a postura que temos que adotar.

Cumpre asseverar que estes USD 90 bilhões que se agregarão ao PIB não cobrem o déficit das contas brasileiras, em si. Menos ainda os impostos gerados por estes ingressos à economia brasileira, da ordem de 34%, ou seja, USD 30 bi, lá nos 15 anos.

Se levarmos em conta a carência deste efeito, de 4 anos, que é o prazo estimado para a implementação do acordo, este não socorre nossas urgências.

Assim, muito menos que uma partida de futebol, onde um “golaço” define a partida, a vida de um país é uma longa partida de basquete, onde se fazem muitas dezenas de pontos e as vitórias costumam ser apertadas.

O PIB mundial cresce aproximadamente 2,8% ao ano. Os países de produtividade mais alta e baixo capital nacional acumulado crescem acima desta taxa; e os de produtividade mais baixa e maior capital acumulado puxam a média para baixo.

É verdade que a concreção do acordo é digna de comemoração. Mas aliado a isso, muito, ou “todo”, o trabalho está para ser feito. Realizado o trabalho da melhor maneira possível, ainda assim este acordo, como a reforma da Previdência, não mudará significativamente a vida dos brasileiros.

Para dobrar o PIB precisamos de, ao menos, 30 fatos como este na nossa economia, dando certo. Ainda assim levaremos bem mais de 30 anos.

Recém dobrando o PIB atingiremos o nível dos países mediterrâneos. E, esta dobra do PIB na média, terá de ser acompanhada da diminuição da desigualdade, de sorte que para a classe média alta e a classe alta, não haverá duplicação da renda – muito menos que isso. O que pode levar a esta parcela da população ao desestímulo pelas melhoras e a um menor esforço relativo para o crescimento. Não será este um dos fatores importantes da “Trampa da Renda Média”?

Por isso, o que mais importa é o resultado do conjunto. Mais do que em atos políticos eventuais, a maneira que temos de lograr o tão esperado desenvolvimento é praticar o hábito de ser desenvolvido, civilizado, estudando e trabalhando duro. Geralmente canetaços geram grande ruído no “day after” e frustrações uns meses depois.

Neste caso, embora na segunda-feira tenha certa euforia na imprensa, na parte da manhã, o mercado sinalizou um breve pico. Na terça, preguiçosamente está reproduzindo a retomada da tendência do ano: uma leve alta ontem, uma leve queda hoje.

É preciso uma energia muito grande para mudar uma nave com 200 milhões de passageiros a bordo. Neste processo, com esta inércia, quem ganhar muito fora da curva, o fará a expensas dos perdedores, mais do que do ganho representado pelos efeitos do Acordo.

Julho de 2019

Marcelo Sommer

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