DESIGUALDADE E LIBERDADE

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Joel E. Coehn no livro “How Many People Can the Earth Support?” teria afirmado que a desigualdade é o grande problema da Humanidade, concluindo que grande desafio das próximas décadas é a busca da redução das desigualdades. Damos o desconto de que a obra foi escrita há 20 anos. Afirmo isso porque, muitas vezes um autor – não estou dizendo que é exatamente o caso – tenta preservar e perpetuar sua tese, embora o tempo tenda a infirmar as predições com a história estatística. Me provocou, no bom sentido, a postagem no Facebook por minha amiga Luciana Imbert Domingos de um texto citando esta idéia. Lembro, ainda dois aspectos: a) o autor escreveu seu livro num tempo anterior à internet e à era digital. De lá para cá as informações são obtidas em muito maior número e em uma velocidade alucinante; b) a academia, data maxima venia, é parte da estrutura de poder dentro das sociedades e atendem, certamente, um interesse nem sempre objetivado. É costumeiro vermos autores que antes de trabalhar sobre as informações, têm uma idéia preconcebida a que chamam equivocadamente de «tese». Ou sejam, primeiro sentenciam, depois saem a pinçar dados para a validação. Pode ser muito eficiente para a carreira acadêmica, mas não presta um bom serviço à sociedade. Pikketi primeiro formulou a tese, agora sai a campo para tentar validá-la. É o erro do materialismo que tem como base o determinismo histórico – quase darwiniano – cujas teorias, quando oportunizada a sua aplicação, mostraram rotundos fracassos políticos, com desastres sociais que não é preciso procurar  muito no baú da história para encontrar.

Eu advogo outra forma de abordagem. Entendo que temos que ir observando os fenômenos, dele extrair padrões para depois sentenciar. Nada de pré-julgamentos, nem de exercer poder sobre os fatos. Este pequeno ensaio foi produto justamente dessa abordagem. Tanto ouço falar em desigualdade, em empobrecimento das populações marginadas, mas andando no mundo, desde Manhattan até o Maranhão, passando por Paraguai, Bolivia, Perú, vivendo na América Latina ao longo de muitos anos. Repisando muitos lugares, não pude constatar a tendência de maneira geral. Então, ontem, fui aos dados, desde minha caverna e, ao contrário do que contava Platão, não vi sombras… nem assombração.

Esta discussão é das mais interessantes, e talvez a mais relevante, se entendemos que evoluímos e podemos gestionar nosso destino de maneira minimamente razoável. Eu entendo que tanto Malthus, como Cohen e Pikketi, estão equivocados. Seu enfoque é relativista e desubicado, sempre e quando colocam a distribuição da riqueza como um fator relevante neste processo.

Primeiro de tudo, essa «desigualdade» não tem uma vinculação lógica com o problema da sobre-exploração dos recursos do Planeta. Para baixar do centro da atenção este ponto, faço a pergunta: se é uma ínfima minoria aquela que se diferencia pelos excessos de consumo já que a imensa maioria não tem capacidade para tal, imaginemos se eliminássemos 15% da produção de bens da Terra, destinados, a p. ex. 1% da população, em quê, a uma produção necessariamente crescente para não só acompanhar o crescimento vegetativo da população, mas para dar algo perto da suficiência a quem não tem nada, seria alterada? Um outro ponto é o que aquela ínfima parte da população que tem um consumo suntuoso, não consome, necessariamente mais «matéria», mas sim o valor agregado por marcas, desenho, e utilização de materiais raros que não são produzidos à escalas de commodities, estas sim, a ameaça aos recursos naturais. Em tão pouco espaço não podemos refinar o raciocínio que demanda complexos cálculos, mas as linhas gerais que pauto se extraem de um exercício de razão destituído de sentido ideológico ou doutrinário, pois não preciso vender esta má idéia a nenhum gênio.

Outro ponto é que há um claro aumento de padrão de vida material em todo o mundo. Umas regiões melhoram mais rápido, outras mais lentamente, dependendo da conformação da sociedade, sua cultura, suas instituições – o relatório 2015 sobre produtividade da OIT conclui isso referindo-se ao reflexo do aumento da produtividade laboral. De outra parte, há lugares em que, por crises políticas, se experimentam lapsos de continuidade neste processo. Mas de maneira geral a economia global cresce uns 3% ao ano, ao passo que a população cresce à razão de 1%.

Seguindo a tendência do crescimento da população atual, em 2050, esta estará nos níveis de 0,5%. Se poderia elaborar uma função matemática, mas é desnecessário, para inferir que em 150 anos teremos população descendente. O PIB percápita mundial pelo método PPP (Purchasing Power Parity) virtualmente dobrou desde 1999. A maneira mais evidente de se infirmar estas tendências, seria uma prova contundente de que, medida em estatísticas, a riqueza dos mais pobres vem diminuindo. Ou seja, uma prova de que os pobres estão ficando mais pobres, não numa proporção marginal, já que dos gabinetes sustentam que se trata de uma população crescente, mas um contingente relevante estatisticamente – não podemos imaginar que um país em guerra civil possa ser o exemplo. Pesquisei em bancos de dados da ONU, do Banco Mundial, da OEDC, da OIT, para tentar fazer umas correlações. Não me convenci dos critérios de produtividade laboral de nenhum os órgãos, porque medem a partir de PIB do país por horas trabalhadas ou por trabalhador. Este número não diz muita coisa, já que países com vantagens meramente comparativas podem parecer mais produtivos do que os que não têm recursos naturais. Assim, o Uruguai, cuja atividade primária e sua cadeia respondem por 60% do PIB, aparece mais produtivo que o Brasil. O mesmo acontece com a Venezuela por causa do extrativismo do petróleo. Não consegui dados sobre «outputs» por hora de trabalho, em termos absolutos, e medidos diretamente, em cada país.

De outra parte, consultei um índice, o GINI que é um coeficiente de concentração de renda. Também classifiquei o PIB de cada país em ordem descendente, e o índice de liberdade política e civil dos países pesquisados e cruzei estes dados, gerando linhas de tendência. A base foram os 29 países mais populosos, que respondem por 70% da população da Terra.

O primeiro gráfico, de relação entre riqueza, produtividade e índice Gini, concluí: a) A riqueza é melhor repartida nos países muito ricos e nos muito pobres do que nos de renda média; A riqueza está relacionada com a produtividade, esta medida em GDP por força de trabalho. De outra parte, há um indício de que a riqueza é repartida de maneira mais desigual em países com regimes sociais mais hierarquizados, Japão é um país no topo dos ricos e reparte pior que França, Itália e Espanha. Há um leve indício de que o Ocidente reparte melhor a riqueza.

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No segundo gráfico, estabeleci a relação entre liberdade e riqueza, onde a linha de tendência é inversamente proporcional. Onde há mais liberdades, há mais riquezas.

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Obs.: GINI e Liberdades são tabuladas pelos órgãos de maneira inversa, ou seja, valores maiores significam situações piores – não sei por quê fizeram assim, mas o contraste ilustrou muito bem os gráficos, construídos a partir de fontes diversas.

Que concluí? Que a desigualdade, ao menos por estes dados, não é fator definitivo no performance das sociedades, mas a liberdade sim, a partir da resposta a uma pergunta, que Cohen e Piketti sabem a resposta: o que veio primeiro? A liberdade ou a riqueza? Nossa história mostra que a liberdade veio antes. Países ricos, do fim da Idade Média, na medida em que foram suprimindo a liberdade, foram empobrecendo. Países pobres, que se converteram na Reforma Religiosa (Alemanha, Holanda e Inglaterra – França logo atrás) e a Itália (que eludiu a influência do Papa em Florença, Veneza e Gênova) enriqueceram. Hoje, o capital, a riqueza migra à toda evidência de lugares menos livres para os mais livres.

Estou à espera de uma infirmação a esta cabalidade. E olha que estudei um dia só, desde minha salinha, num país perdido no Extremo Ocidente…

O que proponho é uma mudança de paradigma. Atualmente a academia está majoritariamente referenciada ao materialismo histórico, enfocando, a partir da hegemonia marxista, a ídéia de classe associada ao acesso de bens materiais. A desigualdade de Pikketi está baseada nesta idéia. Vejo nele a intenção de afirmar um neo-marxismo, colocando nos bens materiais a razão da felicidade. Se nos abstraímos da matéria e vamos ao bem estar, incluiremos nesta equação valores como religião, cultura, educação, tempo livre, relações familiares, sociais e laborais que implicam nas renúncias às rendas monetárias e, portanto, ao consumo. A Física, com sua inflexão à física quântica, permitiu que nos livrássemos, no campo tecnológico ao conceito materialista e sensorial de Newton. Nos falta superar isso nas ciências sociais. Como imaginava Comte, sair do estado teológico ao estado positivo, superando o meta-físico no caminho.

Enquanto medirmos bem estar em coisas, o que o fazem também os teóricos, por cacoete, não poderemos compreender bem nossos problemas. Só para deixar evidente o equívoco: se é verdade que nunca se investiu tanto em educação, por que ela só piora? É verba o problema? Provocaria o leitor dando um palpite: é o gestor materialista.

O quê dizer do índice GINI da China, teoricamente o país que mais deveria ser igualitário?

Inobstante, formulo uma idéia (ainda escrevo com o acento) que sempre provoca reação nas pessoas: “No ano 3000 seremos virtualmente todos escolarizados até os ofícios e menos de 5 bilhões no Planeta”. Quase ninguém me leva a sério.

Por fim, a idéia que pude extrair da conjução dos dados, poderia ser a de que o mundo será mais igual e a pobreza será mitigada à medida em que se pensar menos em repartir a riqueza material alheia e mais em compartir o próprio poder. Não é à toa que a máxima «pane et circus» ficou tão famosa. Entregue um pouco de satisfação material, e obtenha mais poder. É a receita do populismo. O Brasil viveu isso… nestes anos de populismo. Hoje vemos que nos subtraíram poder. A sociedade quer reavê-lo.

Janeiro de 2016.

Marcelo Sommer

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2 respuestas a DESIGUALDADE E LIBERDADE

  1. Luciana dijo:

    Fico feliz de ser citada num texto tão robusto e otimista! Espero mesmo que estejamos todos atentos para o caminho do melhor, em tudo.

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